Por Marcelo Pimenta
Head de Agronegócio da Serasa Experian e nosso correspondente especial na COP30
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) foi um evento de escala continental, realizado em Belém, no coração da Amazônia brasileira, em novembro de 2025. Com a presença de delegações de 195 países e um fluxo total de mais de 500 mil pessoas, a Conferência serviu como um diagnóstico global para o maior desafio da década: como financiar essa jornada.
Em Belém, onde acompanhei os painéis e debates direto da Blue Zone, um consenso se consolidou: o gargalo não é mais a escassez de capital ou a falta de tecnologia. O problema reside na estrutura, na governança e na capacidade de rastreabilidade para mitigar o risco, transformando o capital disponível em projetos de campo efetivamente "bancáveis."
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- O paradoxo financeiro: por que o dinheiro não flui?
- Conformidade e rastreabilidade: licença global para operar
- 1. A extrema complexidade da pecuária
- 2. Maturidade e inovação na bioeconomia
- A ciência do solo
- Nosso papel: uma Datatech a serviço da confiança
- Visão de futuro integrado
O paradoxo financeiro: por que o dinheiro não flui?
A agenda de adaptação e mitigação do clima exige uma injeção de capital na escala de trilhões. Somente a meta brasileira de restaurar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas demandará um investimento maciço. No entanto, o capital institucional global como os fundos de pensão, grandes bancos e investidores de venture capital, ainda hesita.
O paradoxo é explicado pela diferença entre o risco real e o risco percebido pelos investidores:
- Risco e rating: projetos baseados na natureza, em países emergentes, carecem do histórico de rating e da governança necessária para atrair capital em volume. A complexidade regulatória e a falta de padronização de MRV (Medição, Relatório e Verificação) elevam o custo da incerteza.
- Inclusão e escala: metodologias caras e complexas de MRV, que podem custar "centenas de milhares de dólares" em grandes áreas, excluem pequenos produtores, mesmo que eles representem 90% das fazendas e sejam essenciais para a regeneração. O capital não consegue penetrar o tecido social do campo.
- Financiamento e garantias: o fluxo de capital para o setor, que movimenta cerca de R$ 4 trilhões anualmente e envolve 5 milhões de produtores, é limitado pela dificuldade de oferecer garantias robustas.
É nesse ponto que a inteligência analítica se torna fundamental: o desafio é construir a infraestrutura de dados que quantifica o risco, tornando-o transparente e manejável para o mercado financeiro.
Conformidade e rastreabilidade: licença global para operar
A rastreabilidade deixou de ser apenas compliance (como a regulamentação europeia antidesmatamento, o protocolo EUDR) e se tornou um alicerce da competitividade. Sem dados de custódia verificáveis, empresas e países perdem acesso a mercados exigentes.
1. A extrema complexidade da pecuária
O painel sobre o Protocolo Carne Baixo Carbono (CBC) da Embrapa expôs a dificuldade da cadeia de proteína animal.
- Movimentação extensa: o ciclo de produção de um boi de corte leva em média 36 meses, e um único animal pode passar por até seis fazendas diferentes (cria, recria, engorda) antes de chegar ao frigorífico.
- Escala de monitoramento: grandes empresas como a MNRF (Marfrig + BRF) precisam monitorar uma área de 19 a 20 milhões de hectares de fazendas fornecedoras (quase o tamanho do estado de São Paulo) para garantir o desmatamento zero pós-2020.
- A estrutura de verificação: a solução para esse aspecto demanda a junção de tecnologias como georreferenciamento e o cruzamento de bases obrigatórias (como o Cadastro Ambiental Rural – CAR e a Guia de Trânsito Animal – GTA) para reconstruir o caminho do lote e auditar a conformidade socioambiental, um requisito de 67 critérios estabelecidos pelo CBC.
2. Maturidade e inovação na bioeconomia
O setor de árvores cultivadas, representado pelo Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), uma associação setorial, demonstrou maturidade, plantando cerca de 1,8 milhão de árvores por dia e conservando mais de 7 milhões de hectares de florestas nativas.
- Certificação rigorosa: o setor aderiu voluntariamente a certificações (FSC e PEFC) desde os anos 90.
- Desafio tecnológico: o uso de satélites avançados (como o SATEC, desenvolvido no Brasil) é fundamental para diferenciar o ciclo de colheita planejada da celulose do desmatamento ilegal, um desafio de execução para acessar o mercado europeu, onde o setor exporta cerca de US$ 17 bilhões por ano.
A ciência do solo
A COP30 destacou que a regeneração não é apenas ambiental, ela se traduz diretamente em ganhos econômicos e resiliência. Os dados dos painéis técnicos são categóricos, mostrando que a sustentabilidade é, na verdade, a otimização de recursos:
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Protocolo / Prática |
Evidência quantitativa chave |
Impacto na produção e emissões |
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Carne Baixo Carbono (CBC) |
Redução de 10 meses na idade média de abate (de 40 para 30 meses) e +30kg de peso vivo médio por animal. |
Redução de 26% na intensidade de emissões (kg CO2e/kg de carne) em sistemas testados. |
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Carne Baixo Carbono (CBC) |
Uso eficiente da terra. |
Fazendas CBC usam apenas 22% a 32% da área para produzir o mesmo que a média nacional (eficiência de 68% a 78%). |
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Enhanced Rock Weathering (ERW) |
Remoção potencial de 0,3 t CO2 por tonelada de rocha aplicada. |
Redução de custos com fertilizantes importados e maior resiliência a estresse climático, essencial para os 19 milhões de hectares de agricultura mecanizada. |
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Soja Baixo Carbono |
Potencial de 30% de redução de emissões + 30% de acúmulo de carbono no solo. |
Ganho combinado de até 60% na otimização da cadeia de grãos. |
O sistema CBC, por exemplo, ao reduzir o tempo de abate e aumentar o sequestro de carbono no solo (até 4,5 t CO2e/ha/ano nos melhores casos), demonstra que a produtividade e a preservação são metas convergentes.
Nosso papel: uma Datatech a serviço da confiança
Em um cenário de convergência de políticas e necessidade de ação imediata, a inteligência analítica e a tecnologia de dados formam uma ponte essencial entre o capital global e o produtor no bioma.
A contribuição da Serasa Experian se concentra em fortalecer a infraestrutura de confiança para as soluções sistêmicas:
- Apoio ao financiamento inteligente: utilizamos nossa expertise em scoring e análise preditiva para cruzar dados financeiros e informações de conformidade territorial. Essa integração permite que instituições financeiras precifiquem o risco real, e não apenas o risco percebido, abrindo caminho para financiamento e seguros mais justos.
- Verificação em escala: a Serasa Experian apoia a rastreabilidade no agronegócio integrando grandes volumes de dados geoespaciais, cadastrais e socioambientais para verificar automaticamente a conformidade de fornecedores em toda a cadeia. Nossa capacidade de cruzar CAR, GTA, séries históricas e mapas proprietários garante auditoria de custódia em escala, atendendo às exigências de desmatamento zero e protocolos internacionais. Com processos robustos, precisos e automatizados, oferecemos às empresas a segurança necessária para sustentar originação responsável, reduzir riscos legais e manter competitividade nos mercados premium.
- Escalabilidade e inclusão: a Serasa Experian desenvolve metodologias de MRV simplificadas para apoiar empresas utilizando nossa base proprietária de dados geoespaciais, imagens de satélite e modelos de machine learning para quantificar uso e cobertura do solo em larga escala. Essa abordagem reduz custos operacionais, viabiliza a execução de projetos de carbono e sustentabilidade em milhares de áreas simultaneamente e entrega informações confiáveis, auditáveis e economicamente escaláveis para nossos clientes corporativos.
Visão de futuro integrado
A COP30 deixou claro que não há transição climática possível sem agricultura, floresta e energia caminhando juntas. O Brasil surge como protagonista nesse cenário, combinando uma matriz energética limpa com capacidade real de liderar novas frentes, como biocombustíveis, hidrogênio verde e mercados de carbono. Mas os debates também escancaram um desafio urgente: apenas 4% dos recursos globais rotulados como climáticos chegam aos sistemas agroalimentares, mesmo sendo o setor decisivo para atingir a meta de 1,5°C.
Nesse contexto, a rastreabilidade ganhou destaque como eixo de competitividade e acesso a mercados. Tecnologias de satélite, machine learning e integração de dados incluindo CAR e GTA tornam-se essenciais para garantir origens sustentáveis, dar transparência às cadeias e destravar modelos de financiamento em escala.
A Serasa Experian acredita que dados são o motor dessa nova fase. Ao unir inteligência geoespacial, sistemas de verificação em larga escala e rigor regulatório, ajudamos empresas a reduzir riscos, atender protocolos socioambientais e fortalecer sua reputação global. Transformamos complexidade em clareza, informação em ação e desafios em oportunidades, contribuindo para um agronegócio mais competitivo, sustentável e preparado para o futuro.
É assim que antecipamos o amanhã, conectando tecnologia, governança e ciência para construir um futuro mais justo, verde e inteligente.