Roberta estava grávida quando foi dispensada da empresa na qual ocupava o cargo de analista contábil. Por não ter registro em carteira, ficou sem recursos para cobrar na justiça a ilegalidade de sua demissão e, de um dia para o outro, seu orçamento doméstico entrou em colapso: água, luz, internet, condomínio, cartão de crédito…tudo atrasado.

Na outra ponta, a empresa que a demitiu o fez por já estar há meses em um intenso processo de degradação financeira, devendo a inúmeros fornecedores após a queda vertiginosa das vendas. Veja que as causas de inadimplência estão inseridas dentro de um contexto cíclico, e suas consequências impactam todos os entes da cadeia de consumo.

O Brasil tem hoje uma população de endividados do tamanho da Itália: são 63,4 milhões com dívidas pendentes, além de 5,3 milhões de empresas com CNPJ negativado (dados da Serasa Experian). Mas onde começa esse círculo vicioso? É isso que você vai descobrir a partir de agora! Lembre-se que não se vence um inimigo sem conhecê-lo profundamente!

1. Aumento do desemprego

O endividamento das famílias é fruto de um processo interligado de desaquecimento econômico. A inflação e os juros altos prejudicam setores altamente financiados, gerando, ao longo do tempo, uma massa de empresas devedoras em relação aos seus fornecedores e/ou bancos. Os bancos, como consequência, restringem o crédito e comprometem ainda mais o mercado.

Com as dificuldades de obtenção de empréstimos e as dívidas corporativas crescentes, começam a surgir as primeiras demissões, o que retrai ainda mais o consumo e intensifica o processo de retração. Chegamos então à crise econômica, que atinge o país há alguns anos e que tem no desemprego sua mola propulsora.

A taxa de desemprego no Brasil fechou o 2º trimestre de 2018 em 12,3%, o que representa 12,9 milhões de pessoas fora do mercado e em busca de recolocação. Lembra-se do drama da Roberta, que citamos acima? Pois bem, perder repentinamente a remuneração mensal é a mais séria das causas de inadimplência e uma das poucas que está totalmente fora do controle das famílias. Como manter contas em dia sem fluxo de receitas?

2. Diminuição da renda média familiar

Segundo pesquisas, os principais motivos que levam o brasileiro à inadimplência são o desemprego (26%), a redução da renda (14%), o descontrole financeiro (11%) e a realização de empréstimos em nome de terceiros (5%).

Perceba que a diminuição da renda é, entre as causas de inadimplência, a segunda mais relevante. Isso porque, mesmo quem conseguiu se recolocar após ficar fora do mercado de trabalho por algum tempo, teve que aceitar receber menos para não permanecer parado.

Com menos recursos no orçamento (mas as mesmas contas), é preciso priorizar pagamentos, deixando por último aqueles que supostamente podem ser renegociados ou pagos com atraso.

O problema é que, com o passar do tempo e com o acúmulo de dívidas deixadas “para depois”, se as dificuldades financeiras se aprofundarem, pode ser que o devedor se perca completamente no meio de tantos títulos para serem pagos tardiamente. E dependendo do credor, bastam 2 meses para ter seu nome na lista dos inadimplentes.

Segundo levantamento da Serasa Experian, em julho de 2017, a distribuição dos débitos das pessoas físicas estava na seguinte proporção:

● bancos ou cartões de crédito: 30%;
● contas domésticas: 17,9%;
● varejo: 13,7%;
● telefone: 11,1%;
● serviços: 10%;
● empréstimos em financeiras: 9%.

A redução de renda familiar ocorreu em todos os pontos do país, fazendo que com esse quadro acima varie pouco segundo a área. Em Minas Gerais, por exemplo, mesmo descontando a inflação, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam que, no total, quase R$ 370 milhões tenham saído do bolso da população entre 2014 e 2018.

Junte essa informação acima à consciência de que os preços dos itens básicos de uma família (plano de saúde, educação, transporte) cresceram no mesmo período e você terá a fórmula, os sintomas e as causas da inadimplência.

3. Compras para terceiros

De forma geral, o brasileiro ainda não toma nenhuma precaução ao emprestar seu próprio nome para que terceiros façam compras. Afinal, quem você conhece que empresta dinheiro a parentes fazendo contrato ou valendo-se de notas promissórias ou garantias?

Pois é, no Brasil, de cada 10 brasileiros, 4 já adotaram a estratégia de pedir o “nome” emprestado a outras pessoas para fazer um empréstimo. Com o descompromisso dado pela informalidade, o devedor sente-se mais confortável para flexibilizar pagamentos em caso de aperto, ou, simplesmente, deixar de quitar todas as parcelas pela adoção de novas prioridades.

Se dissemos acima que o desemprego e a redução de renda são causas de inadimplência que fogem ao controle do cidadão, o mesmo não se aplica a este tópico.

Entregar seu nome para financiar terceiros é um erro crasso de controle orçamentário, devendo ser evitado ainda que isso represente algum constrangimento.

O consumidor precisa ter consciência de que quem geralmente pede esse tipo de favor já teve negado crédito em bancos e, portanto, pode ter problemas em seu histórico de pagamentos..

4. Ausência de educação financeira

Que muitos brasileiros não investem por puro desconhecimento do mercado, isso todos sabem. Mas um estudo inédito mostrou que a rentabilidade média dos que têm aplicações financeiras não ultrapassa os ganhos da poupança.

Esse baixo retorno tem relação direta com a falta de know-how dos brasileiros sobre as opções do mercado, bem como sobre a relação dos investimentos com as variáveis macroeconômicas (juros, inflação etc.). Sem reserva financeira, o cidadão está sempre exposto à inadimplência.

Vale lembrar que esse mesmo desconhecimento na gestão do orçamento doméstico é levado para outras esferas, como, por exemplo, quando o indivíduo resolve empreender. Sem saber como usar o capital de giro, fica difícil construir uma empresa sólida.

Gastar mal, não saber como organizar o consumo nem como multiplicar dinheiro arrasta à estagnação a vida financeira de muitos, o que, em algum momento, vai acabar resultando em dívidas.

5. Falta de controle nos gastos

Os critérios das empresas para “sujar o nome” de um devedor variam de acordo com a legislação do segmento ou com regra de negócio do credor. No setor de telefonia, por exemplo, a negativação ocorre apenas após 90 dias sem registro de pagamento.

Já no setor financeiro, 30/45 dias de atraso pode ser prazo suficiente para gerar uma pendência no seu CPF. Ou seja, basta um pequeno imprevisto para que sua vida financeira descarrilhe rumo à inadimplência.

O problema é que não é comum à cultura nacional ter apego ao planejamento e ao pensamento de longo prazo. Você sabia, por exemplo, que 44% da população considera impossível levantar R$ 2.500,00 a título de reserva de emergência?

As causas de inadimplência passam por fatores alheios à vontade do trabalhador (como desemprego e redução de renda), mas também por muitos outros que podem ser dominados pelas famílias. É o caso do aprimoramento no controle de gastos e, mais do que isso, do processo de mudança de mentalidade que envolve enxergar o presente como uma alavanca para o futuro.

Quem deseja fugir da inadimplência e até alcançar a estabilidade financeira precisa, primeiramente, montar uma boa planilha de orçamento doméstico, sem ignorar nem mesmo o custo do cafezinho ou da cerveja no happy hour; renegociar o valor das contas e estabelecer metas de poupança também são desejáveis.

6. Atrasos de salários

Estamos acompanhando a quebra das finanças dos estados e a criação do hábito governamental de dividir a remuneração dos servidores públicos em parcelas a perder de vista. O atraso de salários também não é incomum na iniciativa privada.

Essa irregularidade posterga o pagamento das contas dos trabalhadores. O problema é que o acúmulo de juros, a depender do débito, pode criar uma bola de neve intransponível. Vale lembrar que um mês de cheque especial não coberto impõe juros de 13,19% ao mês…que vão se multiplicando periodicamente.

7. Enfermidades

Essa razão é, talvez, a mais surpreendente da lista, mas também é vilã respeitável no endividamento nacional. O alto custo dos remédios e dos serviços de saúde privados, bem como a perda de receita decorrente de afastamentos sucessivos, também impactam o PIB e, em última análise, a força monetária das famílias.

Como a maioria delas não tem o costume de fazer medicina preventiva e dá pouca atenção à qualidade de vida, o custo dessa negligência deságua também nas altas taxas de inadimplência no Brasil (pelo descontrole repentino das contas).

Por fim, vale lembrar, mais uma vez, que a inadimplência do consumidor está diretamente ligada às dívidas das empresas: em março de 2018, o país tinha 1,4 milhão de Microempreendedores Individuais (MEIs) com o CNPJ suspenso, com alto risco de cancelamento do cadastro (em estados como Mato Grosso, por exemplo, o percentual de empresas inadimplentes chega aos 25%).

Como dissemos, a crise passa por um conjunto de fatores macroeconômicos que esbarra nas famílias, abatendo com mais violência àquelas menos preparadas (menor nível de instrução, menor capacidade de poupança, menor educação financeira etc.).

E você, quantas dessas causas de inadimplência já afetaram sua vida financeira?