A produção agropecuária brasileira abrange um vasto e diverso cenário – geográfica, tecnológica e culturalmente - que vai desde a produção de commodities agrícolas, como soja, milho e algodão, até produtos de mais alto valor adicionado na cadeia agroindustrial, como os lácteos ou biocombustíveis. Essencial para a economia do país e do mundo, o setor é, de forma geral, muito intensivo em capital não apenas pela característica intrínseca de suas atividades, mas também pela sua demanda crescente por adoção de tecnologia e melhores práticas para manter sua competitividade e produtividade, promovendo o seu crescimento sustentável.

Tradicionalmente, o agronegócio brasileiro tem se apoiado em fontes de financiamento tanto públicas como privadas. Estima-se que as públicas, simplificadas aqui genericamente como recursos do conhecido “Plano Safra”, atendem apenas a não mais que cerca de 40% da demanda total por crédito dos produtores – tanto para custeio de lavouras como para investimentos – que são segmentados em produtores Familiares e Médios (onde residem os maiores percentuais de subsídios / equalizações) e produtores ditos “empresariais” (cujas taxas de juros e demais condições contam com algum subsídio / equalização mais próximas das condições de mercado do crédito privado e ainda com limites por CPF / tomador). No geral, produtores familiares e médios representaram 29,33% (R$100,9 bilhões) do montante total desembolsado na safra 22/23, tendo sido destinado o saldo (R$243 bilhões, ou 70,64 %) às demandas de produtores empresariais, ou de maior escala (Fonte: MAPA, Desempenho do Plano Safra 22/23).

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a estimativa de recursos totais necessários para financiar o setor agropecuário brasileiro atualmente é próxima de R$ 1 trilhão por ano. Nesse contexto, as fontes de recursos de crédito privado ao produtor - aquelas linhas privadas ofertadas por instituições financeiras e também pelos atores comerciais da cadeia do agro, como trading companies, cooperativas agropecuárias, indústria e seus distribuidores tanto de insumos como de bens de capital – são proporcionalmente cada vez mais relevantes para o setor.

O crédito fundamentado pela relação comercial, em geral, é disponível para a compra a prazo de insumos e bens, porém frequentemente também consiste na mera antecipação de contratos de venda futura da produção agropecuária. Quando o fornecedor combina ambos os casos, temos o que se chama de “Barter” ou “Troca”, onde a aquisição de insumos é quitada com a entrega futura dos grãos ou outra mercadoria produzida pelo produtor, que frequentemente enxerga múltiplas vantagens nessa modalidade (“Hedge” natural da relação de troca; Conveniência operacional; Estreitamento de relações com parceiros locais estratégicos).

Securitização de Crédito: Transformando Dívidas em Oportunidades Financeiras

Para que o agronegócio continue a trilhar sua trajetória de crescimento e modernização, o setor necessita aumentar suas fontes de financiamento privado numa velocidade condizente com seu potencial competitivo e do mercado. Empresas do agronegócio podem recorrer ao mercado de capitais para obter recursos por meio da oferta de ações, emissões de títulos de dívida corporativa ou debêntures, porém, a securitização de seus recebíveis pode ser uma forma mais interessante sob diversos aspectos.

Observamos o crescimento da participação do mercado de capitais no crédito ao agronegócio através de instrumentos de securitização de recebíveis como CRAs, FIDCs e FIAGROs que começam a ganhar mais relevância após aperfeiçoamentos regulatórios recentes muito importantes.

Atualmente, as emissões anuais de securitização de dívida no agronegócio ainda são inferiores a R$ 100 bilhões, porém com enorme potencial de crescimento à medida que as empresas detentoras de carteiras de crédito evoluem gradativamente em governança e eventualmente podem debutar no mercado de capitais. Em termos simples, a securitização de crédito é um método pelo qual carteiras de recebíveis a prazo do agronegócio se transformam em cotas de fundos de investimento acessíveis a investidores de diversos perfis, permitindo às empresas originadoras desses recebíveis não apenas acessarem capital a custo competitivo, mas ainda se mantendo no comando do relacionamento com seus clientes (com muito mais vantagens para seu negócio do que com o mero desconto/antecipação de recebíveis).

Como funciona?

Securitização vem do termo em inglês “securities” que significa “títulos” ou “valores mobiliários”. Com base nisso, securitização significa transformar ativos ou títulos de dívida (de pessoas e/ou empresas) em produtos de investimento (Certificados de Recebíveis ou cotas de Fundos) para investidores qualificados.

Imagine que uma revenda / distribuidora de insumos agropecuários tenha realizado centenas /milhares de vendas a prazo de seus produtos, no chamado vencimento “prazo-safra”. Cada um desses recebíveis a prazo compõe o que chamamos de sua carteira de recebíveis que, em vez de serem integralmente “carregadas” em seu balanço à espera do pagamento do cliente, podem ser “empacotadas” e transformadas numa emissão de securitização que permite à revenda / distribuidor antecipar esses fluxos financeiros.

Assim, conforme os clientes forem pagando suas dívidas, esses valores serão pagos ao CRA ou FIAGRO / FIDC, remunerando os investidores e liberando recursos para poder adquirir novos recebíveis, até o final do compromisso dos investidores com o fundo (em geral, os investidores se comprometem por alguns anos, período em que o capital fica revolvendo dentro da estrutura de securitização).

Entendendo os CRAs

Os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) são títulos financeiros que têm como lastro créditos originados no setor do agronegócio. Em outras palavras, eles representam uma forma inovadora de financiamento para empresas que atuam na produção, comercialização e exportação de produtos agrícolas.

O Ciclo dos CRAs

  1. Originação dos Créditos: Tudo começa com as empresas do agronegócio, que geram créditos devidos a elas. Isso pode acontecer por meio de transações comerciais, exportações de produtos agrícolas ou outros acordos financeiros relacionados ao setor.
  2. Securitização Inteligente: As empresas do agronegócio não precisam esperar muito para ter acesso ao capital necessário para expandir suas operações. Aqui é onde as securitizadoras entram em cena. Elas adquirem esses créditos e os agrupam em um conjunto de ativos, formando o que chamamos de "pool de ativos agrícolas".
  3. Emissão dos CRAs: Com o pool de ativos em mãos, a securitizadora emite os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Esses títulos são oferecidos ao mercado de capitais por meio de uma oferta pública. Investidores de diversos tipos como investidores institucionais (gestores de recursos de terceiros como fundos de pensão, family offices), pessoas físicas e mesmo empresas, têm a oportunidade de adquirir esses títulos.
  4. Retorno e Pagamentos: Os devedores terão sempre a obrigação de pagamento integral dos recebíveis (principal + juros). Esse pagamento é direcionado à conta da Cia. Securitizadora referente ao respectivo CRA. A depender do alinhamento de interesses com os investidores, os investidores do CRA poderão tanto receber pagamentos periódicos (exemplo: juros semestrais) como também em sua totalidade na ocasião do vencimento do CRA, o que o torna um instrumento flexível a atender diferentes perfis de investidores e tomadores.

E o Fiagro?

O Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) está relacionado com a securitização de crédito no agronegócio, pois é uma ferramenta que visa a promover investimentos no setor agrícola e pecuário, permitindo que investidores direcionem recursos para ativos relacionados ao agronegócio.

O FIAGRO representa um aperfeiçoamento do mercado de capitais brasileiro para o agronegócio uma vez que permite a estruturação e obtenção de capital com lastro não apenas em recebíveis (FIAGRO-FIDC) mas também em ativos imobiliários (FIAGRO-FII) e outros oriundos das mais diversas verticais da cadeia agroindustrial. Como exemplo, um FIAGRO pode inclusive adquirir CRAs e outros ativos se assim for conveniente e pré-determinado por acordo entre seus cotistas.

Na estruturação de um FIAGRO, diferente do CRA onde sua emissão é realizada por uma Cia. Securitizadora, a operação frequentemente é capitaneada por uma gestora de investimentos (regulada por CVM e por ANBIMA).

A importância do compliance regulatório e socioambiental

 

É crucial mencionar que a securitização de crédito está sujeita a rigorosas diretrizes regulatórias, com particular atenção à conformidade com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Isso inclui a transparência na divulgação de informações a investidores e ao mercado, o cumprimento das regras de alocação e monitoramento dos ativos e seus respectivos devedores, além da garantia de que estes e as propriedades rurais envolvidas não incorram em desconformidade nas condicionantes socioambientais.

Contar com ferramentas de avaliação de riscos de crédito e socioambientais é essencial para garantir a transparência e resguardar a reputação das empresas que atuam na securitização de créditos. Ao utilizar plataformas que combinam inteligência artificial, monitoramento de imagens de satélite e ciência de dados como as da Serasa Experian, os agentes do agronegócio conseguem extrair insights a partir de relatórios e pareceres que permitem ganhar eficiência operacional e agilidade de resposta frente a riscos de inadimplência ou falta de conformidade.

Um exemplo é o Agro Portfolio Scoring, solução para o mercado financeiro, especialmente voltada para a qualificação de carteiras de recebíveis no setor de Agronegócio para aprimorar a gestão dos ativos. Ela inclui visões do Agriscore e do Score HPJ8 com análises detalhadas de risco de inadimplência por CPFs e CNPJs, respectivamente. Além disso, inclui ainda o Score ESG que avalia CPFs e CNPJs com foco em sustentabilidade e responsabilidade social. Com estas informações é possível criar relatórios mensais abrangentes com distribuição de frequência de scores da carteira e estimativas de perdas esperadas e inesperadas, oferecendo maior transparência e embasamento para decisões estratégicas.

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